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Sintonizando com Novíssimo Edgar

Foto: Renato Pascoal.

Publicado em 22/01/2023.

Rapper futurista, multiartista, criador de figurinos feitos através de reaproveitamento de materiais…

Das periferias de Guarulhos para o mundo, o nosso convidado para o Sintonizando de hoje é o Novíssimo Edgar.

1 – Crescido nas periferias de Guarulhos (São Paulo) para o mundo. Como é isto pra você?

Sou criado nas vielas da Favela do Coqueiro e aprendi a olhar para cima por conta dos becos estreitos. Sempre reparei no céu azul e sempre duvidei da cor que o céu tinha. Saí de São Paulo e morei em Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Hoje em dia vivo entre Rio de Janeiro e São Paulo e tenho feito alguns trabalhos internacionais relacionando música e artes visuais. Criei, por exemplo, a trilha sonora para um filme e um game dinamarquês; trabalhei em outro game como direção de narrativa do artista Gabriel Massan para Serpentine Gallery em Londres; e, atualmente, estou em Paris estudando francês e artes em geral. Para mim isso nada mais é do que uma nova safra das colheitas que venho tendo, das tantas sementes que espalhei pelo solo brasileiro. Algumas germinaram e me fazem usar o passaporte como chave de entrada. Acredito que isso é comum na vida e na carreira de artistas que colocam seu trabalho e pesquisa em primeiro lugar. Na verdade, isso é só o começo.

2 – Sua pluralidade é nítida para quem te escuta como para quem assiste seus espetáculos ao vivo. De onde vem essas influências?

Essa influência é plural, é cosmopolita e não tem endereço fixo. Ela vem com minhas viagens por outras culturas, algo de longe que pega carona com a luz do sol atravessando o espaço até chegar na atmosfera terrestre. Minha mãe é uma das minhas maiores influências, tanto em frases de efeitos para músicas quanto esteticamente falando. Navego dentro de minhas raízes e histórias de familiares, entre traumas e sonhos, e viajo no tempo para conseguir imaginar diversos futuros que não me pertencem.

Em geral, tudo nasce através da poesia, tudo vira música e praticamente tudo é pensado como dança. O espetáculo só acontece porque tento unificar tudo na mesma tese, sínteses dicotômicas que para mim são parentes ou parênteses, como na obra “Sobre os Vínculos Invisíveis”, um comissionamento do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro no qual criei uma partitura de improviso com alguns objetos de arte. É quase como trabalhar uma medicina homeopática com material vindo do óbvio, mas que se dilaceram e se recompõem em algo novo. Ou, como eu diria, algo novíssimo.

3 – As manifestações folclóricas e nordestinas também fazem parte da sua construção como artista. Como você projeta tudo isto no momento de escrever suas letras?

Na verdade, eu não trabalho com folclore. Posso até criar novos folclores, mas não vejo nada folclórico no meu trabalho, que é completamente concreto e real. Além de especular uma nova forma de pensamento sobre o que é folclórico, digo que o folclórico é cloroquina e meu trabalho é vacina. E se eu negasse a influência nordestina, além de eu cometer uma blasfêmia contra minha própria família, eu seria muito burro, pois a região mais rica culturalmente em nosso país não é o sudeste.

De modo geral, a minha construção como artista vem do movimento. Afinal, água parada pega dengue e artista que não está exatamente onde o povo está, pega depressão. E, em realidade, não projeto nada para escrever músicas. As músicas nascem, implorando para vir e soar desse lado da vida, quando organizo a projeção dos pensamentos para algum determinado projeto, como um filme, teatro, espetáculo de performance, etc.

Foto: Camila Rhodes (@mammaflor).

4 – Algo além de suas letras que é bem marcante são seus figurinos. Como é o processo de construção de figurino?

Os figurinos vieram de um momento rico de criatividade e pobre de financiamento. O reaproveitamento dos materiais reciclados e outros afins hoje é adequado como conceito afrofuturista ou qualquer coisa que seja, mas meus figurinos são uma caixa amplificadora para minhas letras, pois um complementa o outro e gera um diálogo com o que é inerente do ser humano no dia-a-dia.

Atualmente, nas minhas apresentações, o uso de figurino é algo bem detalhado e específico para momentos em que sinto essa necessidade de conexão com o meu interior poético ou a sua necessidade de um exterior estético. E tenho trabalhado também com “indumentárias”, porém como artes plásticas desacopladas dos espetáculos musicais.

5 – A trilogia dos seus projetos (Ultrassom/Ultravioleta/Ultraleve) sempre começa com Ultra. O que é o ULTRA pra você?

ULTRA é uma proposta filosófica de observação da sociedade atual e seus hábitos e costumes. No primeiro disco, “Ultrassom”, temos a primeira imagem de algo que não conhecemos instalada dentro da sociedade, além de diversos terrorismos poéticos que advertem um futuro/presente irrevogável. Nesse disco, por exemplo, existe uma música chamada “ADORNO”, uma anedota com o filósofo Theodor Adorno, que apresenta um pouco dessa proposta. De maneira geral e simplificada, Adorno acredita que a cultura da sociedade capitalista impõe um mecanismo de construção da heteronomia (ou seja, a sujeição do indivíduo à vontade de terceiros) que faz com que o homem seja igual ao coletivo e perca, assim, sua individualidade.

Na sequência, temos o disco “Ultraleve”, que aponta algumas catástrofes em ritmo de festa, criando um diálogo entre meu conceito musical e a roupagem “pop”. A questão ecológica, bastante presente, é trabalhada para além de apenas letras e figurinos, dado que as batidas também trazem timbres de instrumentos que criei a partir de materiais reciclados. Além disso, os convidados são artistas de etnias indígenas, como Kunumí MC, rapper Guarani, e Elisapie (Canadá), que é Inuíte, e esses cantam em suas línguas nativas. Como essas são línguas quase extintas, é criada uma distância e incompreensão que faz com que os ouvintes sintam nos tímpanos o efeito da colonização.

Por fim, “Ultravioleta” é o encerramento da era ULTRA, apresentando todas as faixas que foram censuradas por patrocinadores dos discos anteriores. Esse inicia, então, um caminho largo para novas experiências no meu trabalho musical.

Foto: Renato Pascoal (@renatopascoal).

6 – Você fala muito sobre meio ambiente nas suas músicas. Em que momento você teve este “start” para falar sobre o ativismo ecológico (uma vez que é um tema cada dia mais urgente)?

Cresci até os 13 anos tirando água de dentro da minha casa quando chovia. Podia ser chuvisco ou garoa, a gente sempre via móveis boiando. Quando chovia forte era horrível. Eu tinha que ir para casa de vizinhos para não me afogar, por exemplo.

Guarulhos é uma cidade que, se você procurar bem sem saber o que procura, você acha coisas inigualáveis. Tem natureza, tem lagoa, tem represa, tem cachoeira… Porém, quando a polícia matou o Fernandinho, quando o tema foi preso, quando a bica d’água secou, quando a “Esmeraldinha” secou, eu pensei: o próximo a secar sou eu.

Logo me envolvi com grêmio estudantil, movimento social, aulas de música, formação profissional iniciante em Gestão Ambiental e nutri um interesse imenso pelas Ciências Biológicas. Quando criança pensava em virar cientista ou alguma coisa do gênero e, para mim, ser artista fica na encruzilhada disso: um lado cientista, outro lado pajé, outro lado político.

7 – E você também fala muito sobre tecnologia. Trata-se crítica social?

Creio que, além da crítica social, falo sobre a busca pela acessibilidade. Afinal, tecnologia sem acessibilidade para todos vira campo de concentração, é manobra de massa e prisão.

8 – Conta pra gente sobre seus projetos futuros e lançamentos?

Para o início de 2023 pretendo seguir com apresentações musicais da trilogia Ultra e estou preparando também um disco novo que já inicia uma nova roupagem e diálogos contemporâneos, apresentando uma lírica mais pessoal. Para além da música, trabalharei na distribuição internacional e nacional de meu primeiro filme como roteirista e diretor, “Erva de Gato”, que aborda um Brasil completamente dividido e dominado pela milícia, no qual as raízes culturais e artísticas sustentam o que resta de esperança. Serei também júri do 5º Prêmio de Design do Instituto Tomie Ohtake e farei parte de exposições de arte em São Paulo e no Rio de Janeiro, trazendo obras inéditas da minha pesquisa com tecido, escultura e pintura. Tem bastante coisa por vir e é só acompanhar o Instagram, @novissimoedgar, e ativar as notificações do perfil, que você fica sabendo das novidades e das informações das apresentações que estão por vir!

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