O Sintonizando recebe Ana Karina Sebastião, uma das musicistas mais potentes e celebradas da música brasileira.
Dona de uma técnica refinada e de uma versatilidade impressionante, Ana acumula três Grammys Latinos e atualmente concorre ao WME Awards 2025, na categoria Instrumentista — mais um reconhecimento de sua força e relevância na cena musical. Seu impacto também se destaca por um feito histórico: ela foi a primeira mulher no Brasil a lançar uma linha de baixo signature.
Ao longo da carreira, colaborou com artistas como Chico César, Paulo Miklos e Tom Zé, e integrou a banda do programa “Conversa com Bial”, na Rede Globo. Hoje, segue em turnê com a banda Fresno e com a cantora Liniker, mantendo presença constante nos palcos e nas principais produções musicais do país.
Vem sintonizar com Ana Karina Sebastião!
Para começar, você pode contar um pouco sobre como começou a tocar? O que te levou a escolher o baixo e quais foram suas primeiras grandes influências?
Como muita gente, comecei tocando na igreja com meus irmãos. Eu tinha uns 9 ou 10 anos, mas eles já eram adolescentes. Antes disso, o Michel, meu irmão, pediu um violão à minha avó. Ela o presenteou, e meu pai, que era um super incentivador e muito justo, achou que seria uma injustiça apenas um dos filhos ter um violão.
Com pouco dinheiro e muito esforço, ele comprou mais três violões, já que éramos em quatro na época. Ficamos tocando na igreja, mas era um pouco chato. Então, meus irmãos quiseram formar uma banda. Eu era muito nova e não tinha muita “voz”, no sentido de poder de escolha, e acabou faltando uma baixista. Comecei a tocar baixo por influência deles.
No começo, eu não gostava, não sabia o que era, nem tinha como gostar, pois não tinha nenhum contato com o instrumento. Depois, entrei na ULM (Universidade Livre de Música), a escola que me formou. Lá, estudei com os maiores professores que eu poderia ter na vida, me formei e comecei a trabalhar com música.
As primeiras grandes influências vieram de casa. Já citei minha avó e o violão do meu irmão. Meu avô tocava cavaquinho, não profissionalmente, mas como hobby, então já havia aquela raiz da música em casa.
Eu sempre ouvi muitas músicas diferentes: minha mãe gostava de Exaltasamba e Raul Seixas; meu pai vinha com Pavarotti e Titãs. Ou seja, era o mais variado possível. Eu ouvia Djavan, Chiclete com Banana… tudo que você pode imaginar! Era uma mistura mesmo. Meu irmão era muito fã de Michael Jackson.
Tive todas essas influências, da música brasileira à americana.As influências começaram aí, com as músicas incríveis que tocavam em casa, e depois na escola de música, quando comecei a estudar com esses professores e a mergulhar um pouco mais no mundo do jazz e da música brasileira. Inclusive, a banda que eu tinha antes era de heavy metal! E hoje em dia toco em uma banda de rock também.
Eu considero a música uma entidade para mim. Está tudo lá: sem amarras, sem preconceitos, sem nada.
Ao longo da sua carreira, você fez parte de vários projetos que conquistaram o Grammy Latino. O que significa, para você, ter seu trabalho como baixista reconhecido com um dos maiores prêmios da música latina?
Significa que estou rodeada de pessoas incríveis. Conquistei esse prêmio gravando os álbuns de uma das maiores artistas da atualidade, a Liniker. Ela teve muito cuidado na produção desse álbum, chamando músicos e diretores musicais muito competentes. Para mim, é uma honra gigantesca mesmo — não é só uma palavra bonita — estar perto dessas pessoas. São pessoas que pensam a música, que vivem a música, que estão construindo a nova música brasileira.
Estar junto significa que os estudos, os anos dedicados à música, estão sendo retribuídos de uma maneira muito bonita.
Você tem uma linha de baixo com a Tagima. Como nasceu esse projeto e quais características você fez questão de incluir? E nas suas apresentações, quantos baixos você costuma levar?
Tenho essa parceria com a Tagima há alguns anos. Começou logo nos meus primeiros anos de carreira, tocando com outros artistas. Eu agradeço muito a marca porque eles acreditaram no meu trabalho quando eu ainda não tinha muita visibilidade, quando eu ainda não tocava com muita gente.
Eu usava baixos comuns da marca, aqueles que eles fazem em série, que têm nas lojas. Mais tarde, eu comecei a tocar no “Conversa com o Bial”, onde usava baixos mais clássicos: de quatro cordas, modelo Jazz Bass, Precision, às vezes de cinco cordas.
A partir desse programa, comecei a entender como eu tinha que ser muito versátil e tocar com muitos artistas diferentes. Às vezes, era sertanejo, rock, pop, samba… e tudo no mesmo dia! Fui entendendo a função de cada baixo para cada estilo.
O lançamento do meu primeiro baixo foi muito voltado a isso. Eu queria um instrumento que me permitisse encarar qualquer situação, para que eu conseguisse me virar em um show e em um dia com um baixo só. Escolhi o modelo Jazz Bass. Com ele, consigo ser mais versátil. Decidi lançá-lo com muito orgulho por ser a primeira mulher com um baixo assinado no Brasil —uma glória, nosso Jesus Cristo — e lancei com o nome de “Black Gold”, que é bem poderoso, pensando na mulher preta que eu sou, no ouro que a gente é, em toda a batalha e toda a força.
Acabo levando só um. Dá um pouco de trabalho levar, às vezes a equipe não está ou eu não quero dar mais trabalho para eles. Se o show é meu, tudo bem. Mas quando estou acompanhando algum artista, procuro dar o mínimo de trabalho possível.
Se eu tiver que levar dois baixos, acho que fica um pouco pesado para a equipe. Mas eu gostaria de levar o meu primeiro modelo e o segundo, que vou lançar em breve, o ‘Black Diamond’. Mas acabo usando um só.
Como mulher no mundo da música, especialmente no papel de baixista, quais foram os principais desafios que você enfrentou? Que conselho daria para meninas que estão começando a tocar um instrumento hoje?
Os desafios que enfrentei são os desafios de ser uma mulher no mundo, mas um pouco mais multiplicados, elevados a alguns números, para o mundo da música, que é um mundo muito masculinizado, vamos dizer assim.
A proporção de homens e mulheres na música ainda é bem diferente, a balança não está muito equilibrada. Isso é muito ruim, porque quando você busca referências de baixistas homens, é mais fácil. São vários. Mas isso é devido a muitas coisas, é histórico.
Temos que tentar equilibrar isso da melhor forma daqui para frente. Querendo ou não, enfrentei algumas barreiras por ser a única no começo. Eu tinha referências muito mais externas, como Esperanza Spalding, que é uma das precursoras, Tal Wilkenfeld, muitas referências de fora.
A pessoa que me colocou no mundo da televisão foi a Ge Cortes, baixista que tocava no ‘Altas Horas’. Ela me chamou para fazer sub lá, e foi aí que eu entrei no mundo da TV e tudo. Devo muito a ela, e acho que é isso: uma mulher tem que puxar a outra.
Tento fazer isso hoje em dia. Quando vou indicar uma sub, eu tenho uma lista de 500 caras, vamos dizer. Tenho uma lista de 50 meninas. Eu vou buscar, dentro dessas 50, a mais qualificada para fazer aquele trabalho ali. Às vezes, é difícil? É, mas não é impossível, entendeu?
Acho que é isso. A gente tem que ser forte, tem que passar por algumas barreiras que os caras não têm que passar, e sabendo disso, a gente vai puxando as irmãzinhas, a gente vai conseguindo mudar esses cenários de alguma forma.
O conselho que dou é: não abaixem a cabeça para esses homens. Vocês vão ouvir e, às vezes, até sentir um olhar; ouvir que não são capazes, que só estão lá porque são mulheres. Por incrível que pareça, eu já ouvi isso. Já ouvi que eu estava em um lugar porque era mulher, porque era negra e porque precisavam de uma baixista preta. Vocês vão ouvir as coisas mais absurdas possíveis, mas não abaixem a cabeça. Vai doer. Procurem um ombro para chorar, em casa ou na rua, e sigam em frente. E, quando estiverem preparadas, puxem as outras também.
Como você avalia sua experiência com a Abramus até agora? De que forma contar com uma entidade que protege os direitos autorais tem feito diferença na sua carreira?
Olha, é muito importante que exista uma instituição como essa, né? Porque nós, músicos, às vezes ficamos sozinhos. E muitos músicos também não entendem de direitos autorais. Não entendem do que eles precisam, do que é de direito, o que é necessário dar e receber.
Essa instituição faz isso, ela faz com que a gente fique mais seguro, contando com um suporte quando você precisar, se tiver alguma dúvida. No meu caso, agora que comecei a gravar discos muito grandes, que estão fazendo parte da história da música não só brasileira, como mundial, com o Grammy Latino e tudo mais…tudo isso precisa estar registrado, tudo certinho.
Eu tenho um suporte direto com a Vanessa, que é maravilhosa. Posso ligar com qualquer dúvida, sei que serei atendida. E logo mais estou lançando o meu álbum, o que vai exigir que eu fique ainda mais próxima. Graças a Deus, tem a Abramus.